Dramaturgia Crítica – Terceiro Dia

Blog   |       |    2 de maio de 2010    |    5 comentários

O terceiro e último dia do ciclo Dramaturgia Crítica foi um marco para a categoria teatral da cidade de São Paulo. Se ainda existissem aquelas listas dos “melhores acontecimentos teatrais [e políticos!] do ano” nada seria mais justo do que incluir o debate sobre Dialética e Teatro do dia 1º de maio no Estúdio da Cia. do Latão.

Os professores Jorge Grespan e José Antonio Pasta falaram para uma audiência lotada (inclusive com projeção externa para os que não couberam na sala) durante as 4 horas de debate.

O professor de história da FFLCH, Jorge Grespan iniciou com uma explanação sobre dialética marxista  onde explicou o caráter fictício e, ao mesmo tempo, real do Capital – o que determina sua dialética. Também falou sobre as virtualidades nas quais o mercado passa a se apoiar (e a “girar em falso”) e nas subsequentes crises sistêmicas. Re-posicionando no debate os conceitos centrais de compreensão do Capital pela dialética marxista: mais-valia, valor de uso e valor de troca e assim por diante

Em seguida, José Antonio Pasta deu uma aula – muito bem-humorada – sobre a dialética na obra de Bertolt Brecht.  Ressaltando, principalmente, o espírito de contradição intrínseco em toda sua obra, que jamais se define de forma una, mas sim na afirmativa formal da dialética (inclusive na relação com a teoria de Marx – ou seja, na obra de Brecht nunca veremos uma afirmativa, ou uma propaganda do marxismo, mas sim sua utilização como um instrumento de percepção política e histórica). Para “provar” sua ideia, o professor propôs um jogo com o público. Então, alguém deveria dizer “o teatro de Brecht é …” e completar como quisesse. Alguém disse “popular”, ao que Pasta respondeu “clássico!” e explicou como sua obra é tanto popular quanto clássica e assim por diante… Pra terminar, citou Brecht, quando diz, por exemplo: “só posso tolerar a contradição” e alguém do público matou a charada no final quando disse “o teatro de Brecht é… dialético”, ou seja, marcado pela ininterrupta variação de seus contrários, de seus opostos – e isso como maneira de compreensão e atuação no mundo!

(numa brincadeira referindo-se ao estudo da história do Brasil, o professor José Pasta disse algo como: “se você não é capaz de pensar uma coisa e depois seu exato contrário vá estudar outra coisa… Alguma língua morta ou sei lá o quê”)

Mas o ponto alto do debate foi o final. Quando abriu para as perguntas e uma conversa muito viva aconteceu ali. Foi um desses raros momentos de debates e palestras onde debatedores e público compartilham de maneira franca, angústias, ideias e possibilidades de ação política.

E a questão que permeou a conversa foi a que aflige todos aqueles que tem alguma preocupação social: “o que fazer?”

Seja a resposta atuar tendo em vista a contradição, ou criar modelos de ação que transformem-se a medida que são incorporados pelo Capital, ambos os professores se posicionaram como contraponto ao entediante pessimismo adorniano da luta social (aqueles que tem quartos no Hotel do Abismo, da onde contemplam confortáveis o fim do mundo e dizem “está tudo perdido”; “tudo assimilado”). Afirmaram que devemos sempre buscar as saídas sem nostalgia de um “passado de condições para a luta”, pois segundo Grespan “nunca houveram essas condições, mas homens que trabalharam para criá-las”. E Pasta pontuou que a luta permanece viva e ativa citando, como exemplo, uma asquerosa reportagem de Antonio Cícero na Folha do dia 1º de maio em que  ataca com unhas e dentes o marxismo – e todos sabem que “ninguém chuta cachorro morto”

O final do debate foi com longo aplauso e pedida pela continuidade desse espaço mais do que fértil de troca política e artística. Pois ali, mesmo que por apenas 3 dias, criou-se um foco de resistência ao status de anestesia social e política.

que dê frutos!

'5 comentários para “Dramaturgia Crítica – Terceiro Dia”'
  1. Juli =) disse:

    Paulo,

    Nossa, o otimismo também foi uma das partes que mais me chamou a atenção, especialmente na fala do Grespan, quando observou que o capitalismo parece forte externamente, ao abarcar todas as iniciativas em contrário a ele, mas que sua fragilidade estaria justamente nas contradições internas. Sim, o sistema corre para se apropriar de tudo que se cria para combatê-lo e na maior parte das vezes consegue e, nesse ponto, seria possível dizer… puts, então já era, fudeu, o mundo acabou, tudo que eu fizer será incorporado. No entanto, a reação de um e de outro foi mais para o lado do “seja mais rápido”, ou seja, se o sistema se apropria do que você cria com rapidez, responda a isso com rapidez para mudar as estratégias.

    Por outro lado, só pra complementar, o mais doido pra mim é a possibilidade de perceber as contradições inclusive nos espaços, como esse, de respiro ou de “combate” ao capital. Uma delas é falar como se espaços assim fosem absolutamente raros – não é verdade. É certo que não são maioria, mas há iniciativas muito semelhantes e esvaziadas de público. Então, em vez de implorarmos ao Latão para que se responsabilize por fazer isso mas vezes, talvez fosse o caso de conhecermos melhor a cidade em que estamos e ficarmos atentos a essas possibilidades – especialmente as que acontecem na periferia (não por concessão à periferia, muito pelo contrário, mas porque tem uma freqüência incrível ali e uma riqueza outra em termos de variedade de público).

    E, finalmente, antes que meu comentário fique maior que seu post (rs), achei engraçadíssimo que o próprio Pasta, pouco tempo depois de falar do Adorno e de Hotel do Abismo, construiu uma imagem super-parecida com essa, ao falar dele mesmo, olhando de seu apartamento nos Jardins o caos consumista acontecendo lá embaixo. Lembra?

    Beijos,
    Juli =)

  2. Paulo Bio Toledo disse:

    Juli,

    eu concordo que tem várias iniciativas desse tipo na cidade. No entanto, eu acho que o trabalho que o Latão faz nesses mais de 10 anos (com posicionamento político claro) acabou criando uma força em si em torno do grupo e de suas iniciativas. E eu acho que uma iniciativa dessas acaba ganhando dimensões muito legais quando promovida pelo grupo por conseguir agregar vários círculos de pessoas que de certa maneira tem um perspectiva política parecida mas são de campos de atuação super diversos.

    Enfim. O grupo tem esse “poder” agregador e eu acho que sim deveria ir a fundo nisso e criar um foco concreto de discussão ali. Ou seja, aproveitar a força que seu histórico lhe proporciona pra gerar um movimento forte e novo.

    Ou seja, não acho que se trate de “implorar ao Latão” pra fazer mais debate. Mas talvez apontar que aconteceu algo ali, uma convergência de gente e de temas, que deve ser levado adiante. E, eu acredito, que o meio para isso é manter a potência que se deflagrou ali.

    Acho muito difícil outro lugar conseguir reunir o César Vieira, o Moreira, o Pedro Pires, a Iná, o Sérgio, o Alexandre Mate e tanta gente que tem uma atuação muito significativa… (isso só falando do teatro, porque tinha gente da história, da filosofia, da educação, da letras, de movimento social …)

    claro que devemos também incentivar e participar desses outros lugares onde acontecem essas iniciativas (principalmente quando rompem com o padrão geográfico). Mas não devemos negar, eu acho, uma fissura que se criou ali – e como arma de combate ao capital eu penso que o grupo deveria explorá-la ao seu limite…

    e acho que o pessoal que tava lá percebeu isso também. Percebeu a potência que existia ali! e por isso fez os apelos pela continuidade

    Ou seja, quero dizer, que uma coisa não nega a outra…

    beijos!

  3. Juli =) disse:

    É verdade, talvez não seja uma negação e portanto não exatamente uma contradição, mas me parece uma espécie de fechamento, sabe? Como uma “elite intelectual” mesmo. Falo no sentido de que, pra mim, o que acontece ali é extremamente importante, mas por outro ponto de vista aquelas pessoas (nós – me incluo) estão se encontrando no sentido de reafirmar, de compartilhar algumas coisas pras quais todos já despertaram em suas reflexões individuais. Compartilhamos as angústias a partir daí e isso é bem gostoso, aliás. Mas, é nesse ponto que eu penso que talvez a potência desse encontros acabe ficando em partes limitada porque quase restrita a esse grupo quase fixo, enquanto outros encontros que não reunem Iná, Moreira, Sérgio etc podem ter, por outro lado, uma função mais multiplicadora, de ampliar a inquietação, de levar essas mesmas questões pra outros âmbitos, outros públicos etc.

    Alguém falou que esse movimento poderia ser semelhante ao do CPC em certa medida e tendo isso por base penso que teríamos que partir para a multiplicação e a prática. Ok, posso ser precipitada e admito considerar esse momento uma etapa fundamental e que talvez precise mesmo ser concentrada em quem já está pensando esses temas na mesma profundidade (aqui me excluo, aliás, que Grespan e Pasta são mto fodas pra minha profundidade. rs). Mas acho fundamental considerar desde o começo do processo os movimentos que já acontecem para inclusive pensar esses encontros como uma rede, por exemplo, ainda que pensemos o Latão como centralizador por conta de toda sua história e credibilidade. Em suma, me parece menos potente que o encontro/ movimento continue a acontecer só na Vila Madalena e só para a elite intelectual das artes e algumas áreas afins, já que encontra condições favoráveis em vários cantos de São Paulo pra se multiplicar.

    Bjo.

  4. Loree disse:

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