Adubo ou A Sutil Arte de Escoar pelo Ralo

Críticas   |       |    2 de janeiro de 2008    |    3 comentários

Adubo ou a sutil arte de se sacudir a peça inteira

Este texto dialoga com outra crítica feita para o mesmo espetáculo pelo Fabrício Muriana. Aqui, ó.

Entramos no “auditório polivalente” do Centro Cultural Justiça Federal e as quatro criaturas com maquiagem quase-do-Kiss já estão lá, fazendo sua mise-èn-scène e desenhando num quadro-negro-grandão. Aí o pessoal senta e espera a peça começar de verdade. Os atores estão no palco, agora bebendo escrachadamente, falando não tão alto quanto a música, brindando, se sacudindo, se batendo e repetindo tudo. Então você pensa: “Puxa vida, acho melhor ir lá avisar que já entrou todo mundo, que o teatro tá meio vazio hoje e tal…” E eles continuam lá… Até você achar que a peça vai ser toda assim. É quando a música pára e eles começam a fazer uma cena. Você pensa: “Entendi, eles curtem excessos.”

A parte boa é que eles assumem os riscos de fazer essa opção. Não tem meio excesso, eles vão até o fim das coisas sem medo de ser feliz. Tem horas que fica ruim, mas paciência. Tem horas que fica muito bom também. Entre os excessos legais, tem o corpo e a voz dos atores. A fala é gritada, às vezes aguda demais e dá até pra sentir que arranha a garganta. Fico aliviada quando vejo essas coisas, porque eu não agüento mais ator que fala tudo bonitinho e não deixa nem um fim de frase cair. Acho muito chato. Eles também acertam o tom com a movimentação constante que fica num bom lugar entre o deliberadamente sujo e o coreografado. Só acho meio estranho quando dá pra ver que os atores estão usando muita energia em cena e as pessoas na platéia estão esparramadas nas cadeiras. Parece que aquela energia toda ficou presa lá, atuando apenas na visualidade e no ritmo do espetáculo. Talvez uma certa formalidade do espaço tenha distanciado o público, ou neste dia a energia tava um pouco só na forma. (É cafona falar de energia no teatro?)

O texto é legal, consegue não cair no lugar comum. Há duas situações recorrentes (que não dá pra chamar de fio narrativo porque acho que não é essa a proposta): Balú (o cachorro que morre) e a conversa de bar. Outras cenas acontecem, explorando variações sobre a morte. Todas são extensas demais, tanto as boas quanto as ruins. Na verdade, até as ruins começam bem. O que não funciona muito bem é o tempo de algumas cenas. A impressão é que cada idéia foi desenvolvida e recebeu um tratamento de movimentação e de direção, só que algumas ficaram hipertrofiadas e adquiriram um demasiado apego à vida, resistindo bravamente à ação fatal da tesoura. Não vi nenhuma referência ao culpado pela dramaturgia, então não posso pegar ninguém pra Cristo. Droga, adoro falar mal de autor… mas se a dramaturgia é dos próprios atores, então eles estão perdoados.

O que mais vale a pena na coisa toda é o cenário. Tem um bocado de diretor de teatro por aí dizendo que usa HQ como referência. Humpf. Parece muito mais que eles usam o cinema, por sua vez, inspirado em HQ. Aqui sim dá pra falar em referência. O tal quadro-negro (que ocupa todo o fundo e um pouco das laterais do palco) é usado como elemento de construção das cenas. Os atores desenham e apagam coisas no decorrer da peça, jogando elementos visuais que dialogam com cada cena. É despretensioso e sem excessos. Alguns desenhos permanecem até o final, como a longa calçada em que o cachorro morre (tipo: a estrada da vida de Balú) e o cachorro morto em si, além do nome da peça e uma ficha técnica com gracinhas. Vale um destaque pra cena dos dedos no penhasco: apesar de ser uma das mais longas e ser quase chata, a brincadeira no quadro é tudo de bom. E o desenho em si é horroroso, o que é ótimo.

O fim merecia algo melhorzinho, a peça parece que vai morrendo devagar e fica com cara de que não acabou. Podia ser mais animado. Não que paraíso de cachorro não seja digno de fim de peça. Talvez as velas devessem se apagar. Até pensei em fazer isso, afinal, era meu aniversário. Mas eu tava na fila G, então não ia dar tempo mesmo e o pessoal logo começou a aplaudir.

Oito dedinhos feios, um apagado de cada vez.

'3 comentários para “Adubo ou A Sutil Arte de Escoar pelo Ralo”'
  1. thiago disse:

    e você tem coragem de chamar isso de crítica? mal dá pra falar que é uma resenha da peça. vi a peça hoje e é bom ver que em meio a esse monte de tentativas e experimentações algumas coisas dão certo. eu até leria a outra crítica/resenha, mas acho que não vai valer a pena. o trabalho do grupo conseguiu costurar várias influências sem ser pedante ou mesmo idiota como muito do teatro atual tem sido. acho que é um trabalho com força e que vale a pena ser revisto, é um teatro que redescobriu o absurdo e quase, quase ressuscitou artaud.

  2. Juli =) disse:

    Oi, Thiago. Eu no seu lugar leria a outra crítica, porque acho que foi mais ou menos pelo mesmo caminho dos teus argumentos no comentário. Você desiste muito fácil…

    Abraço,
    Juli.

  3. Fabrício disse:

    Oi Thiago

    Complementando o que a Julie disse, vale a pena ler a outra crítica e tb lembro que na época, não chamávamos de crítica nossos materiais publicados. Chamávamos de resenha mesmo. Não havia um compromisso de crítica.
    No mais, valeu pela visita.

    Abraço

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