Hamlet S.A.
Uma esponjinha com água vai bem
Foto: Ezyê Moleda
Hamlet. O prÃncipe dinamarquês já despertou ensaios, livros inteiros, estudos e tudo mais o que tem de direito para a obra de Shakespeare, incluindo aà Entenda Hamlet em 15 minutos ou Hamlet para jovens. É uma referência. Não é de espantar então que – assim como grupos de teatro têm gosto pelas tragédias gregas de Sófocles, Ésquilo e EurÃpides, como já atestou aqui nosso querido MaurÃcio Alcântara nesta revista muito séria – um outro objeto de consumo das companhias ainda é a obra do inglês William Shakespeare, rivalizando no Brasil com as encenações de Nelson Rodrigues.
Posto isso, a gente, que vai muito ao teatro, fica reticente quando vê releituras destes grandes dramaturgos, pensando “qual vai ser a leitura dessa vez?”. E eu esperava algo desse tipo com uma peça chamada Hamlet S.A. Entretanto, pelo o que eu entendi do que a Cia. Estrela D’Alva mostrou neste espetáculo, o intuito era responder à pergunta “O quanto de Hamlet há em nós?”.
A montagem dirigida por Marcelo Gianini incomodava, pro bem ou pro mal. Tanto que, ao final, a platéia não aplaudiu – não fosse o meu primeiro aplauso – pois os atores não voltaram à cena. O incômodo é gerado principalmente pela segunda parte do espetáculo. Mas vamos à primeira. De inÃcio, os quatro atores lêem revistas icônicas, como Bravo!, Veja, Caras e o jornal local. Uma televisão ligada mostra o MIXTV ou o Polishop – não me lembro – mas é um desses programas em que o apresentador vende até a mãe.
A partir daÃ, os atores começam a divagar sobre questões da sociedade contemporânea através das notÃcias que lêem e vão desconstruindo a nossa tragédia humana desde o dia em que um maldito macaco se transformou em ser humano. A metralhadora acerta até Bin Laden, Bush e Mickey, referências fáceis e gastas do mundo capitalista e extremista em que vivemos, mas ao mesmo tempo uma pequena lembrança de que ainda estamos “sob domÃnio”. O tom é cômico e a platéia se delicia.
Os atores interpretam bufões. Tiram sarro uns dos outros, do público e de si mesmos. Ainda assim, alguns momentos tiram o ritmo da avacalhação, como um tapa mal dado ou um vÃdeo cujo áudio não ouvimos direito (reclamação geral da platéia, diga-se), mas o efeito é visÃvel: quem assiste adora. O mise-én-scene aumenta quando o diretor do espetáculo, Sr. Gianini, sobe ao palco e anuncia que “o espetáculo já vai começar”. A partir daÃ, a bufonaria dá espaço para a encenação da tragédia. Não a de Shakespeare, mas a deste Hamlet de hoje, na dúvida do “ser-ou-não-ser-e-o-que-fazer-com-isso” tradicional e sua inter-relação com a mesquinharia e hipocrisia reinantes da sociedade contemporânea, da qual nós já havÃamos sido contextualizados na primeira parte da peça.
Este pós-Hamlet (Ivan Ribeiro) já foi envenenado. É um espelho de governante misturado com essência de Papa, aroma de senador Calheiros e colegas de trabalho. Ele dialoga com o Fantasma (André Bubman) – que pode ser um fantasma qualquer de Hamlet, seja o de suas reminiscências, de seu pai, de seu tio Cláudio, de seu amigo Horácio ou de sua própria consciência. O Fantasma luta, em vão, para incutir o que quer que seja na cabeça do prÃncipe. Enquanto isso, Ofélia (LÃgia Helena) corta seus pulsos e escreve nas paredes alvas com seu sangue: atormentada (sempre) com a infalibilidade de seu destino, de seu eterno retorno aos homens não-palpáveis (Nietzsche, sempre ele). Por último, sua mãe, a Rainha (Carolina Ferraresi) demonstra com muitos pronomes possessivos ter expelido do seu ventre o fruto de seu amor e ódio ambÃguos.
O elenco apresenta um certo desnÃvel, sendo as mulheres mais poderosas em suas sucintas interpretações do que os outros dois intérpretes masculinos em suas impostações e vÃcios . Além disso, o espetáculo padece de muita informação: os ruÃdos criados pelo excesso atrapalham o entendimento do espetáculo. Hamlet enfia alfinetes por seu corpo todo, há momentos de histeria “encenada” e coisas como pretensos vômitos (legal em seu intuito, confesso, mas não na execução) e máscaras dos já citados Bush e comparsas. Ainda há o cenário com muitos acessórios, que devem ser todos utilizados em cena, e o texto que tem elucubrações demais, fazendo com que a quantidade de palavras interfira no pensamento do espectador, ao invés de simplesmente cortarem bem gostoso o texto e dizerem o que é mais necessário, afinal, teatro também é condensação.
Soma-se a isso o problema de pressupor que a platéia já saiba da história de Hamlet, o que não é o caso aqui no Brasil (dependendo da classe econômica, claro). Ah, mais uma coisa: palavrões como “boceta” (a grafia é esta) devem ser utilizados com propriedade e não somente como artigo gratuito buscando chocar a platéia, que ainda por cima ri na presença deste tipo de vocabulário quando proferido sob nenhum contexto. A recomendação é: uma esponjinha com água já limparia toda essa sujeira e isso se faz premente para o espetáculo subsistir aos olhos do espectador.
Entretanto, há imagens belÃssimas, como a Ofélia nua e a Rainha e seu magnÃfico manto vermelho-uterino (que não é tecnicolor), além da marcação de um corpo na parede, como quando policiais visitam a cena do crime e desenham o cadáver da vÃtima no chão. O cheiro da peça é de Heiner Müller e sua HamletMachine de oito páginas; aliás, muitas das falas são deste texto de Müller. Hamlet S.A. traz uma mistura interessante e deve-se prestar atenção a seu liquidificador. A impressão que fica é grande. É só dar uma limpadinha, que fica um brilho.
3 tapas bem dados, não se sabe se nos próprios atores ou em quem assiste
PS: Só na Bacante já temos três resenhas de montagens diferentes do mesmo texto. Veja aqui, aqui e aqui.
(É ético, justo, certo, ou qualquer coisa comentar uma crÃtica de um espetáculo que não vi? – Acho que não – MAs e daÃ? Não vou criticar a crÃtica e sim bater um papo… nesse caso, acho que é válido)
Não assisti (ainda) esse espetáculo. Mas assisti quase tudo do Gianini. O cara é bom. Tem cara de ser diferente de tudo que vi dele, o que é legal, e pode até gerar coisa boa.
Quero assistir.
Atriz nua? hummmm
Namorada de amigo meu? Hummmmm
hauhauhauhauhauha
Adorei a crÃtica do meu espetáculo (Hamlet S.A.), Valmir. Apesar de todos os meus “vÃcios de interpretação” (rsrsrs), fiquei muito contente com o que vc escreveu e assino embaixo. Parabéns pela revista. Abração. Ivan Ribeiro.
Brigada pela crÃtica, elas serão muito bem anotadas e observadas!!!!
parabéns pelo site, é lindo!!!!
bjossssss
li, gostei. e olha que acho crÃtico teateal uma profissão meio besta ehehe
jorge
Ainda bem que no nosso caso tá bem mais pra diversão do que pra profissão! rsssssssssssss (Adoro o adjetivo besta! hehe)