Ifigênia
Tragédia grega: usar com moderação
Se as tragédias gregas tivessem tributo de importação, São Paulo estaria, neste momento, gastando uma fortuna para manter tantas delas em cartaz ao mesmo tempo. Tem tragédia pra todo gosto: Orestéia “contemporanizada”, Kassandra gaúcha escrita com K e cheia de cabelos, e agora até mesmo uma Medéia com tempero de candomblé… Neste cenário de “desgraceira teatral”, acaba de estrear no Centro Cultural São Paulo mais uma: Ifigênia. Isso sem contar as milhares de montagens que sempre passam ano após ano pela cidade (Antunes que o diga).
A idéia é interessante: juntar fragmentos de textos de diversos autores – de EurÃpedes a Heiner Müller – para a mesma tragédia, traçando paralelos, buscando diferenças e tecendo uma rede harmônica desenhada no palco. Apesar de eu já estar de saco cheio do gênero, é uma proposta que vai além da fraca pretensão de simplesmente montar um texto por montar.
O jovem elenco demonstra energia e vontade de fazer o projeto acontecer. A cenografia é limpa e se apropria bem do espaço, os objetos utilizados em cena ganham significados que enriquecem a concepção dramática e cênica. Já o desenho de luz não surpreende – mas acompanha a encenação. O elenco bem que poderia usar algo mais criativo do que togas (que segundo a Sandrinha Souto, nossa consultora de moda, são demodê há alguns milhares de anos), mas isso não chega a ser um problema. Mesmo com tantas possibilidades de tornar essa experiência um grande espetáculo de experimentação, a encenação se perde quando o texto, transformado em colcha de retalhos, se torna uma armadilha.
A preocupação com a colagem de tantas referências acaba deixando o espetáculo demasiadamente textocêntrico (e verborrágico em alguns momentos), o que em muitas cenas anula a pesquisa corporal e as delicadas significações que são impressas em cada elemento. Ótimas cenas como a do casamento de Ifigênia ou a morte da corça por Agamênon perdem um pouco seu brilho, assim como as diversas possibilidades de analogias e interpretações sobre a história da famÃlia de Agamênon e Clitemnestra também se dissipam. Isso porque a proposta é de simplesmente contar a história por meio de uma dramaturga fragmentada e invertida, e ao final, a platéia está tão anestesiada com as piruetas do texto, que só percebe que o espetáculo acabou quando os atores já estão agradecendo.
De volta à nossa velha discussão sobre a coragem e a necessidade de se realizar experimentações, o espetáculo tem o mérito de se arriscar em uma pesquisa dramatúrgica e cênica, mas infelizmente o resultado final é simplesmente mais uma tragédia grega em cartaz na cidade, cuja encenação não a deixa ser mais do que isso.
3 pratos espatifados no chão
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