Miss Saigon
Saigon, Broadway
[audio:valkyries.mp3|autostart=yes]Nananinanão, isso que você está ouvindo não é uma das canções que se ouvem ao vivo no teatro Abril durante as apresentações de Miss Saigon, mas sim A Cavalgada das ValquÃrias, de Wagner – musiquinha porreta que toca num dos momentos mais eletrizantes de Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. É, minha gente, uma crÃtica musical para o teatro musical.
Acontece que o Vietnã mostrado na peça, apesar de satisfazer uma classe média que se contenta em saber que não há “mocinhos e bandidos”, nada tem a ver com o Vietnã de Apocalypse Now, com o de Nascido para Matar, ou até mesmo o do garoto-que-como-eu-amava-os-Beatles-e-os-Rolling-Stones. A ferida não-cicatrizada dos Estados Unidos está lá, mas a megaprodução sequer tira casquinha deste dodói – a saÃda é apelar para o bom (será?) e (muito) velho melodrama, que consegue enxertar em qualquer contexto histórias de amores-proibidos-que-superam-qualquer-barreira e o destino de criancinhas indefesas. Tipassim, para um dodói que não sara, um band-aid de bichinho.
Mesmo sem final feliz, em Miss Saigon não há nenhuma reflexão que faça com que a turminha da platéia, já bastante anestesiada pelo supershow que acabou de ver, deixe de ir à pizzaria mais próxima. Nem mesmo o hot-dog que os bem-vestidos comiam desajeitadamente no foyer antes da peça haveria de matar a vontade de uma bela marguerita. Antes de ser apedrejado, é importante salientar: não, não fui ao teatro mais chique do centrão degradado esperando por algo diferente desse cenário que acabei de descrever. Tenho plena consciência de que o mercado turÃstico – pra quem os musicais da Broadway são direta ou indiretamente concebidos – é extremamente exigente (e eficiente) quando o assunto é pasteurização. E é na pasteurização que toda a história do casal protagonista ganha força: os horrores da guerra ficam em segundo plano e a platéia se esforça (ainda que inconscientemente) para acreditar (ou fingir que acredita) nos amores à primeira vista que superam qualquer preconceito e violência. Dá até pra esquecer que na guerra há mais estupros do que relações comerciais/amorosas entre soldados e prostitutas, e passa a léguas de distância do teatro Abril a lembrança de que era aquela a guerra dos isqueiros Zippo.
Toda essa anestesia funciona graças a fórmulas de sucesso tão claras que é possÃvel perceber inúmeras semelhanças com Les Misérables, musical ambientado na revolução francesa e concebido pelos mesmos criadores de Miss Saigon. As figuras das prostitutas vietnamitas em muito se assemelham à s lovely ladies parisienses da primeira produção pós-reinauguração do Abril. Da mesma maneira, a mulher que se sacrifica para criar o filho bastardo soa como um eco da jovem prostituta Fantine (e o filho, porquê não uma versão de olhos puxados da pequena Cosette?). Há ainda a mulher (pobre) que morre após abrir mão de seu amor para que o amado (rico) seja feliz ao lado de outra (também rica), idêntico à garota Eponine de Les Mis, entre diversas outras sensações de déjà -vu.
Enquanto a originalidade e pertinência do conteúdo descem pelo ralo, o grande pilar que sustenta toda a divulgação e o “sucesso de público” – a forma do megashow – mantém-se firme e forte, tornando a peça uma ótima opção para aqueles que querem apenas encher os olhos – e não necessariamente a cabeça. Os números divulgados de perucas, sapatos, atores e penduricalhos parecem conferir (Será que alguma consultoria faz a aferição destas informações? Na época da estréia os jornais divulgavam esses números como se fossem tão importantes…) e sim, a tal da cena do helicóptero, apesar de adaptada da versão novaiorquina para teatros menores (?!?!), é de fazer grudar na cadeira de excitação (não é nada disso que você tá pensando, leitor sujo).
Tal produção faz com que se pense muito nas produções brasileiras que insistem em copiar o formato para embarcar na mesma caçada de nÃqueis. A primeira questão a ser levantada é evidente: de quanto feijão (hambúrguer? dólar?) precisam as produções nacionais para assumir as dimensões e a qualidade técnica das produções importadas? E isso leva à segunda questão: será que vale realmente a pena investir tanto na forma, ainda que o conteúdo seja tão deficiente? E para o público, será que o apelo cinematográfico justifica a pequena fortuna que é paga pelos ingressos?
Por um instante lembro-me do jovem Treplev, da Gaivota de Tchekhov, que na encenação de Enrique Diaz entrava em cena em determinado momento munido de justamente um pequeno… helicóptero. Assim como a parafernalha de Miss Saigon, o brinquedo de controle remoto materializava os excessos que ocultavam (ou evidenciavam) a verdadeira motivação dos artistas envolvidos. No caso de Treplev, ainda havia um sonho de fazer um teatro legÃtimo e que mexesse verdadeiramente com as pessoas (embora Tchekhov proponha uma crÃtica a esse teatro egóico na própria peça). Já no caso do teatro Abril, esse sonho passou muuuuuuuito longe.
Mais vale 1 helicóptero na mão do que 2 conteúdos voando
O musical já morreu na Broadway e está fedendo até aqui. Se a primavera não dispertar, é melhor comprar passagens para Paris. Não tinha mais teatro em Sampa para você ver não?
Sérgio, tenho certeza absoluta de que por aqui, o dia em que os produtores caça-nÃqueis decidirem que a primavera está na hora despertar, as flores já estarão beeem murchas…
MaurÃcio,
O musical fala apenas sobre uma história de amor em meio a uma guerra e, para o quê se destina, cumpre o seu papel. Nem todo espetáculo precisa discutir e mostrar as mazelas humanas em profundidade, nem esta discussão, se existir, está livre de ser totalmente ideológica.
Em suma, calma lá que é só um musical da Broadway!!! Você predeu um bom show.
Marco, aà que está: “uma história de amor em meio a uma guerra” pode ser visto em Miss Saigon, Les Misérables, AÃda e West Side Story (isso só pra contar os musicais que tiveram temporada por aqui). Um pouco de inovação (que não seja apenas tecnológica, é bom frisar) vai bem, não acha?
Eu não perdi o show não, pelo contrário: o show eu vi muito bem. Nesse quesito, Miss Saigon está de nota 10. Acontece que, ao menos pra mim, teatro é mais que apenas show… e isso nada tem a ver com mostrar mazela humana nenhuma, isso quem tá dizendo é você…
concordo em parte com todos…
Miss saigon não é bom não…
mas o fantasma da ópera gostei…é bem pra ver e depois comer uma pizza, e não vejo mal nenhum nisso também, querer ir sempre ao teatro pra sempre levar uma porrada no estomago, ou ficar com dor de cabeça de tanto fazer esforço pra entender o que o raio do diretor, ou sei lá quem quis dizer também já acho demais…
tudo que é demais enjoa, seja o enlatado ou o papo cabeça…e toda droga é boa, vá lá…
hahahahahahahahahahahahaah
“Mais vale um helicóptero na mão do que dois conteúdos voando”
A melhor de todas foi essa…
vcs são engraçados eu tenho que admitir…
hahahahahahhahahahahahahahahahahahaahahahaha
Só acho que essa crÃtica está defasada. Miss Saigon vai completar um ano em cartaz. Estreiou antes de Aida e West Side Story, que aliás já deixou os teatros paulistanos. Achei um bom espetáculo do ponto de vista técnico. Pena que a Bacante queira politizar tudo. Acho que a crÃtica que se faz a esses “grandes musicais” é a mesma que podemos fazer aos shows do U2, da Madona, e das BoyBands que habitam o Tim Festival. Cada um vê o que lhe agrada aos olhos e ouvidos. Basta ter dinheiro para isso.
RR (q orgulho, um bispo na Bacante),
Num tem problema dessa crÃtica estar “defasada”, até porque a montagem tupiniquim está defasada – estreou por aqui quase 20 anos após sua première novaiorquina. Não vai ser um ano de cartaz que vai deixar essa crÃtica velha, vai?
E calma, ninguém aqui tá afim de politizar nada – tanto que não é nem esse o foco da crÃtica. A questão é exatamente o que você mesmo apontou: “Achei um bom espetáculo do ponto de vista técnico.”. Concordo com você, mas “um bom espetáculo do ponto de vista técnico”, pra mim, é diferente de “um bom espetáculo”.
Esse é o ponto.
Para ser mais exato, o espetáculo completará um ano em 12/07. De qualquer forma, concordo contigo que o musical é um espetáculo que não vale os reis e o tempo perdidos. Prefiro comprar um cd do U2.
Ah, aliás, essa música tbm toca no “Star Wars – A Ameaça Fantasma”. hahahhaha
Tanto Les Misérables quanto Miss Saigon têm os mesmos autores e o mesmo tradutor no Brasil. O problema não é a história, mas o musical em si. O musical original de 89 está no You Tube. Qualquer um pode ver. O problema brasileiro é, Miss Saigon Brasil não serve como tragédia nem como comédia. Peça vulgar no Brasil. A culpa é do tradutor, não da história ou da produção.
Lefebvre, não entendi… O tradutor é talvez quem tenha a menor “culpa” nessa história toda – ele é parte de um processo de produção muito maior, não acha?