Miss Saigon

Críticas   |       |    24 de junho de 2008    |    12 comentários

Saigon, Broadway

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Nananinanão, isso que você está ouvindo não é uma das canções que se ouvem ao vivo no teatro Abril durante as apresentações de Miss Saigon, mas sim A Cavalgada das Valquírias, de Wagner – musiquinha porreta que toca num dos momentos mais eletrizantes de Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. É, minha gente, uma crítica musical para o teatro musical.

Acontece que o Vietnã mostrado na peça, apesar de satisfazer uma classe média que se contenta em saber que não há “mocinhos e bandidos”, nada tem a ver com o Vietnã de Apocalypse Now, com o de Nascido para Matar, ou até mesmo o do garoto-que-como-eu-amava-os-Beatles-e-os-Rolling-Stones. A ferida não-cicatrizada dos Estados Unidos está lá, mas a megaprodução sequer tira casquinha deste dodói – a saída é apelar para o bom (será?) e (muito) velho melodrama, que consegue enxertar em qualquer contexto histórias de amores-proibidos-que-superam-qualquer-barreira e o destino de criancinhas indefesas. Tipassim, para um dodói que não sara, um band-aid de bichinho.

Mesmo sem final feliz, em Miss Saigon não há nenhuma reflexão que faça com que a turminha da platéia, já bastante anestesiada pelo supershow que acabou de ver, deixe de ir à pizzaria mais próxima. Nem mesmo o hot-dog que os bem-vestidos comiam desajeitadamente no foyer antes da peça haveria de matar a vontade de uma bela marguerita. Antes de ser apedrejado, é importante salientar: não, não fui ao teatro mais chique do centrão degradado esperando por algo diferente desse cenário que acabei de descrever. Tenho plena consciência de que o mercado turístico – pra quem os musicais da Broadway são direta ou indiretamente concebidos – é extremamente exigente (e eficiente) quando o assunto é pasteurização. E é na pasteurização que toda a história do casal protagonista ganha força: os horrores da guerra ficam em segundo plano e a platéia se esforça (ainda que inconscientemente) para acreditar (ou fingir que acredita) nos amores à primeira vista que superam qualquer preconceito e violência. Dá até pra esquecer que na guerra há mais estupros do que relações comerciais/amorosas entre soldados e prostitutas, e passa a léguas de distância do teatro Abril a lembrança de que era aquela a guerra dos isqueiros Zippo.

Toda essa anestesia funciona graças a fórmulas de sucesso tão claras que é possível perceber inúmeras semelhanças com Les Misérables, musical ambientado na revolução francesa e concebido pelos mesmos criadores de Miss Saigon. As figuras das prostitutas vietnamitas em muito se assemelham às lovely ladies parisienses da primeira produção pós-reinauguração do Abril. Da mesma maneira, a mulher que se sacrifica para criar o filho bastardo soa como um eco da jovem prostituta Fantine (e o filho, porquê não uma versão de olhos puxados da pequena Cosette?). Há ainda a mulher (pobre) que morre após abrir mão de seu amor para que o amado (rico) seja feliz ao lado de outra (também rica), idêntico à garota Eponine de Les Mis, entre diversas outras sensações de déjà-vu.

Enquanto a originalidade e pertinência do conteúdo descem pelo ralo, o grande pilar que sustenta toda a divulgação e o “sucesso de público” – a forma do megashow – mantém-se firme e forte, tornando a peça uma ótima opção para aqueles que querem apenas encher os olhos – e não necessariamente a cabeça. Os números divulgados de perucas, sapatos, atores e penduricalhos parecem conferir (Será que alguma consultoria faz a aferição destas informações? Na época da estréia os jornais divulgavam esses números como se fossem tão importantes…) e sim, a tal da cena do helicóptero, apesar de adaptada da versão novaiorquina para teatros menores (?!?!), é de fazer grudar na cadeira de excitação (não é nada disso que você tá pensando, leitor sujo).

Tal produção faz com que se pense muito nas produções brasileiras que insistem em copiar o formato para embarcar na mesma caçada de níqueis. A primeira questão a ser levantada é evidente: de quanto feijão (hambúrguer? dólar?) precisam as produções nacionais para assumir as dimensões e a qualidade técnica das produções importadas? E isso leva à segunda questão: será que vale realmente a pena investir tanto na forma, ainda que o conteúdo seja tão deficiente? E para o público, será que o apelo cinematográfico justifica a pequena fortuna que é paga pelos ingressos?

Por um instante lembro-me do jovem Treplev, da Gaivota de Tchekhov, que na encenação de Enrique Diaz entrava em cena em determinado momento munido de justamente um pequeno… helicóptero. Assim como a parafernalha de Miss Saigon, o brinquedo de controle remoto materializava os excessos que ocultavam (ou evidenciavam) a verdadeira motivação dos artistas envolvidos. No caso de Treplev, ainda havia um sonho de fazer um teatro legítimo e que mexesse verdadeiramente com as pessoas (embora Tchekhov proponha uma crítica a esse teatro egóico na própria peça). Já no caso do teatro Abril, esse sonho passou muuuuuuuito longe.

Mais vale 1 helicóptero na mão do que 2 conteúdos voando

'12 comentários para “Miss Saigon”'
  1. O musical já morreu na Broadway e está fedendo até aqui. Se a primavera não dispertar, é melhor comprar passagens para Paris. Não tinha mais teatro em Sampa para você ver não?

  2. Maurício disse:

    Sérgio, tenho certeza absoluta de que por aqui, o dia em que os produtores caça-níqueis decidirem que a primavera está na hora despertar, as flores já estarão beeem murchas…

  3. Marco Antonio disse:

    Maurício,

    O musical fala apenas sobre uma história de amor em meio a uma guerra e, para o quê se destina, cumpre o seu papel. Nem todo espetáculo precisa discutir e mostrar as mazelas humanas em profundidade, nem esta discussão, se existir, está livre de ser totalmente ideológica.
    Em suma, calma lá que é só um musical da Broadway!!! Você predeu um bom show.

  4. Maurício Alcântara disse:

    Marco, aí que está: “uma história de amor em meio a uma guerra” pode ser visto em Miss Saigon, Les Misérables, Aída e West Side Story (isso só pra contar os musicais que tiveram temporada por aqui). Um pouco de inovação (que não seja apenas tecnológica, é bom frisar) vai bem, não acha?

    Eu não perdi o show não, pelo contrário: o show eu vi muito bem. Nesse quesito, Miss Saigon está de nota 10. Acontece que, ao menos pra mim, teatro é mais que apenas show… e isso nada tem a ver com mostrar mazela humana nenhuma, isso quem tá dizendo é você…

  5. Edu carvalho disse:

    concordo em parte com todos…
    Miss saigon não é bom não…
    mas o fantasma da ópera gostei…é bem pra ver e depois comer uma pizza, e não vejo mal nenhum nisso também, querer ir sempre ao teatro pra sempre levar uma porrada no estomago, ou ficar com dor de cabeça de tanto fazer esforço pra entender o que o raio do diretor, ou sei lá quem quis dizer também já acho demais…
    tudo que é demais enjoa, seja o enlatado ou o papo cabeça…e toda droga é boa, vá lá…

  6. Flavia Garrafa disse:

    hahahahahahahahahahahahaah
    “Mais vale um helicóptero na mão do que dois conteúdos voando”
    A melhor de todas foi essa…
    vcs são engraçados eu tenho que admitir…
    hahahahahahhahahahahahahahahahahahaahahahaha

  7. RR disse:

    Só acho que essa crítica está defasada. Miss Saigon vai completar um ano em cartaz. Estreiou antes de Aida e West Side Story, que aliás já deixou os teatros paulistanos. Achei um bom espetáculo do ponto de vista técnico. Pena que a Bacante queira politizar tudo. Acho que a crítica que se faz a esses “grandes musicais” é a mesma que podemos fazer aos shows do U2, da Madona, e das BoyBands que habitam o Tim Festival. Cada um vê o que lhe agrada aos olhos e ouvidos. Basta ter dinheiro para isso.

  8. Maurício disse:

    RR (q orgulho, um bispo na Bacante),

    Num tem problema dessa crítica estar “defasada”, até porque a montagem tupiniquim está defasada – estreou por aqui quase 20 anos após sua première novaiorquina. Não vai ser um ano de cartaz que vai deixar essa crítica velha, vai?

    E calma, ninguém aqui tá afim de politizar nada – tanto que não é nem esse o foco da crítica. A questão é exatamente o que você mesmo apontou: “Achei um bom espetáculo do ponto de vista técnico.”. Concordo com você, mas “um bom espetáculo do ponto de vista técnico”, pra mim, é diferente de “um bom espetáculo”.

    Esse é o ponto.

  9. RR disse:

    Para ser mais exato, o espetáculo completará um ano em 12/07. De qualquer forma, concordo contigo que o musical é um espetáculo que não vale os reis e o tempo perdidos. Prefiro comprar um cd do U2.

  10. RR disse:

    Ah, aliás, essa música tbm toca no “Star Wars – A Ameaça Fantasma”. hahahhaha

  11. Lefebvre disse:

    Tanto Les Misérables quanto Miss Saigon têm os mesmos autores e o mesmo tradutor no Brasil. O problema não é a história, mas o musical em si. O musical original de 89 está no You Tube. Qualquer um pode ver. O problema brasileiro é, Miss Saigon Brasil não serve como tragédia nem como comédia. Peça vulgar no Brasil. A culpa é do tradutor, não da história ou da produção.

  12. Lefebvre, não entendi… O tradutor é talvez quem tenha a menor “culpa” nessa história toda – ele é parte de um processo de produção muito maior, não acha?

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