Orestéia – O Canto do Bode
O Canto do Bode
Fotos: Joana Mattei
Pegue três tragédias gregas (recomendamos Agamênon, Coéforas e Eumênides, de Ésquilo), tempere com a história dos paÃses latino-americanos no século XX, um pouco de Brecht e enfeite com uma pitada da realidade do teatro paulistano. Bata tudo isso em um grande liquidificador (certifique-se de que está tampado, pois essa mistura é um tanto explosiva e pode fazer uma baita meleca). Beba tudo de uma única vez.
É esta a sensação que temos ao assistir Orestéia – O Canto do Bode, montagem que o grupo Folias escolheu para comemorar seu décimo aniversário. O projeto é ambicioso e perigoso (pra não dizer maluco mesmo…): os riscos de se enroscar em algum clichê são altÃssimos, mas a companhia passa praticamente ilesa por este abismo. Entrar no galpão do grupo equivale a colocar o copo deste liquidificador na boca e abrir a goela para três horas de uma viagem absolutamente maluca.
A montagem, conduzida por um excelente palhaço-corifeu (ou seria um corifeu-palhaço?) interpretado por Dagoberto Feliz, conta a história do povo de Argos, desde a partida do rei Agamênon até o julgamento de seu filho Orestes pelo crime de matricÃdio. Entre esses dois acontecimentos, como já bem alertava o palhaço Dagoberto na bilheteria, “acontece a maior desgraceira”, como em toda boa tragédia.
O paralelo entre o clássico grego e a realidade latina acontece muito graças à universalidade do texto de Ésquilo, mas não se pode negar a competência da encenação que utiliza todo o imenso espaço cênico com maestria, dos belos figurinos, da eficiente iluminação e sobretudo de um elenco muito bem entrosado. Mas apesar da ambientação histórica, o passado recente latino-americano acaba servindo muito mais como referência estética, pois a história grega ainda sobressai com muito mais força na montagem, e isso não quer dizer que a proposta se perca.
Longe disso: as imagens que se formam revelam um trabalho magnÃfico realizado por todos os atores, que embarcam fundo nas soluções (e pirações) cênicas propostas. E mesmo as idéias mais arriscadas acabam funcionando: quem diria que Orestes sendo recebido por um bando de hippies do qual faz parte sua irmã Electra ficaria bacana? Acreditem, esse visual Hair em temática grega funciona. Assim como uma divertida Clitemnestra interpretada pelo ator Danilo Grangheia, que beira a bizarrice de uma drag queen.
No fim das contas, o espetáculo é tão bem produzido e há tamanha entrega por parte dos atores, que há muito poucas ressalvas que podem ser apontadas. O tamanho do projeto confunde um pouco a platéia e certamente confundiu ainda mais os criadores, e após o intervalo há uma quebra considerável na linguagem da narrativa, sobretudo com uma projeção um tanto deslocada de imagens de outros grupos de teatro paulistanos. Mas nada disso consegue tirar o brilho desta montagem, embalada por uma trilha sonora que vai desde uma faixa obscura e experimental do produtor francês Laurent Garnier, passa por Beatles e chega a ter obviedades como Cazuza e Caetano e citações de Chico Buarque, que apesar de serem clichê, são altamente releváveis no contexto desta grande produção.
4 colunas gregas
Quando eu crescer, quero ser um palhacinho!
SURPREENDENTE!!!!!!!!
05/10/2007
edu_alvs@yahoo.com.br
A peça é muito fraca e de mal gosto. Tentativa de apresentar o feio e o mal ajambrado como arte: cenários ruins e instalação precária. Fora que é difÃcil para qualquer um agüentar as quase três horas e meia de espetáculo. O prazer de pensar que Brecht tanto quis com o seu teatro seria muito mais fácil de ser obtido com a encenação do original de Ésquilo. Então, o paralelo com a história latino-americana ficaria apenas sugerido. O que tentaram foi arvorar-se em professores, melhores que o público e melhores que Ésquilo até. Tentaram deixar tudo tão evidente, que a peça transpira arrogância, também no jeito gritado de falar que os autores cultivam. Além é claro das cenas de nudez escatológicas: pessoas tomando banho e unrinando. Tudo agressivo, querendo dizer: “Vejam, burgueses pernósticos, tratamos vocês assim porque são um lixo, burrosâ€. O pior é que o contribuinte, empresário ou favelado, tem de pagar duas vezes para ver esse tipo de coisa: uma para entrar no galpão e outra com os seus impostos, que subsidiaram a montagem.
Cris.
Oi Cris,
Engraçado, não vi quase nada disso que você comenta. Não vi essa “transpiração de arrogância” e muito menos essa agressividade de dizer “vocês burgueses são lixo burro”. Vi uma peça ótima – com alguns cacos, hei de concordar – mas muito bem-resolvida.
Sobre os “cenários ruins e instalações precárias”, queria saber um exemplo de algo que você julgue bom, para eu entender seu referencial, porque no geral, eu gostei demais da estrutura do Folias – que eu não conhecia.
Sobre a questão de que “ninguém agüenta 3 horas de peça”, aà eu discordo mesmo: se a peça é boa, dá pra agüentar bem mais (vide Os Sertões, do Zé Celso, que tem, no total, 27 horas, ou ainda Les Éphémères, do Théâtre du Soleil, que acabou de or embora do Brasil, que tinha 7 horas de duração – e em arquibancadas muito menos confortáveis que as cadeiras do Folias…).
Enfim, claro que estamos falando de opiniões pessoais aqui – tanto as minhas como as suas -, mas definitivamente não achei a Orestéia um espetáculo “fraco e de mau gosto”. Não fosse a prioridade que costumo dar para ver espetáculos inéditos, até veria novamente, fácil fácil. E é uma peça com imagens ótimas, que eu adoraria fotografar.
Abraços.
pffffff
Eu gostei muito da peça. Achei o Cazuza clichê também, mas é relevante porque tem tudo a ver com o contexto daquela década. Ainda sobre trilha sonora, boa mesmo é a escolha da “Noite do Meu Bem”, da Dolores Duran, na voz do Tom Zé. Não gostei de algumas músicas em espanhol sobre la revolución ou a esquerda etc e tal. Quanto menos explÃcito, para mim melhor. Mas tem umas emocionantes e que funcionam.
O Dagoberto Feliz está o máximo, amei a idéia do Corifeu clown e da votação que se faz ao final, condenando ou não Orestes, dando razão ou não praquela Drag Queen(é esse o termo de verdade, o ator está inacreditável) doida incrÃvel da Clitemnestra. E eles apuram mesmo e divulgam a votação ao final. A Atena também é impagável. Aquela paródia de jornalismo sensacionalista, espetacularização etc ajuda a segurar no final da peça.
Agora, uma dúvida que fiquei ao ler o texto: eram outros grupos de teatro ou eram outras montagens de espetáculos do próprio Folias? Tinha a impressão de que era uma rememoração de momentos dos dez anos de grupo, justamente por causa desse momento.