Papo de Anjo e Audiotour Ficcional – o Caminho X
Nas ruas de Rio Preto
Foto: Divulgação.
Além de calor, AIDS, dengue, acidentes de trânsito e uma porrada de teatros, São José do Rio Preto – a metrópole do mato seco – também tem rua. E como o FIT tá muito grande e não tinha onde enfiar os quase 50 espetáculos, a organização resolveu mandar 5 grupos pra rua. “Artista de rua só se ferra”, brinca uma atriz do Erro Grupo, se referindo ao fato de ficarem em um hotel pior e mais afastado. Ferrados ou não, utilizaram ou vão utilizar espaços como praças e avenidas, as peças Aqui Ninguém é Inocente, Desvio, O Ponto Imaginário, Papo de Anjo e Audiotour Ficcional, esta última internacional.
A Bacante acompanhou somente duas delas, seguindo critérios de seleção minuciosamente aleatórios. Papo de Anjo e Audiotour Ficcional são peças completamente diferentes que só convivem aqui, nesta resenha, pela coincidência de encararem de peito aberto todas as possÃveis interferências da rua. E não são poucas.
Pra começar, Papo de Anjo, o espetáculo pretensamente infantil de Minas Gerais, é do grupo Malarrumada, filhote do famoso Galpão, e fez algumas crianças chorarem de medo e muitos adultos (como o tiozinho do meu lado) chorarem de emoção. Marcelo Oliveira, ator que interpreta o diabo em cima de pernas de pau, admite: “Sabemos que a peça atinge mais as crianças mais velhas e os adultos, porque a história é complexa”.
Sim, complexa para uma criança de três anos, sem dúvida, mas, na verdade, a temática é quase óbvia, quase clichê e muito popular – já que a mistura de religião com personagens tÃpicos e perfeitamente adaptados à rua tem forte apelo entre os espectadores. A história é simples: o Anjo Gabriel descobre o desejo de ser gente e ganha de uma Nossa Senhora a chance de passar um dia como uma criança normal, para poder se decidir.
Nesta aventura, o garoto (cuja intérprete está fisicamente tão perfeita para o papel que parece ter feito cirurgias plásticas, implantes capilares e diminuÃdo de tamanho só pra essa peça) encontra uma prostituta, mulheres bêbadas, malandros e outras figuras, mas diante de diversas adversidades, Gabriel não perde seu olhar ingênuo e doce sobre o mundo. E como isso incomoda as pessoas!
Duas crÃticas que li sobre a peça ressaltavam o absurdo e a falta de verossimilhança no fato do garoto não se corromper com o mundo que conhece. Ai, os nossos valores distorcidos… Na minha modesta opinião, absurdo é nos rendermos à corrupção. Absurda é a nossa tendência de ver tudo com olhos sujos, maliciosos e falsamente crÃticos. Qual é o problema da ingenuidade (não falo da burrice, que fique claro) e do otimismo do anjo? No fundo, Gabriel vê as coisas sem preconceito e talvez seja isso que nos assusta. São exemplos disso, seu encantamento com o nome “mulher da vida”, que lhe parece muito bonito, e sua ignorância sobre o significado das rugas de uma velha – “por que seu rosto é cheio de linhas?”. A mim, o que me incomoda é a falta de sensibilidade de não conseguir enxergar nada ao olhar uma peça que é capaz de resgatar a inocência e a graça que perdemos conforme complicamos nossas vidas.
Além de retratar a inocência, Papo também aborda criativamente o maniqueÃsmo, combatendo-o com a idéia de que Bem e Mal são importantes e podem conviver. A idéia me conquista e convence e, até por isso, gostaria de vê-la ainda mais desenvolvida. Ela volta a aparecer timidamente ao longo dos encontros de Gabriel, mas não ganha maiores significados.
Deixando de lado a mensagem para falar da forma, o que se vê na praça é mesmo uma grande festa, um envolvente ritual, com direito a música, batuque e auréola feita de pandeiro. Figurinos exuberantes, coloridos e esvoaçantes e maquiagens carregadas ajudam a compor este viés de celebração, e a fé cênica, muito presente em processos colaborativos, como é o caso deste espetáculo, dá o toque final.
Ao entrar no espaço de alguém (já que as ruas acabam sendo, simbolicamente, de quem vive próximo delas ou está de passagem), o grupo se arrisca muito. E haja voz e batucada para vencer os buxixos e correrias! Para piorar, a transição entre os dois espaços utilizados na encenação complica e nos faz perder o foco, pois, mais do que as crianças, os pais delas querem correr para pegar lugar na frente no outro espaço e, então, o tumulto é inevitável.
Mas não é só de diversão (e tumulto) que se fazem filhotes do Galpão. Em Minas Gerais, Germán Milichi – que interpreta um dos malandros da peça – edita a revista A Imensa Minoria, destinada à vizinhança do espaço que a trupe utiliza, para mostrar a estas pessoas as possibilidades de utilização daquele local e formar público diverso para o teatro, por meio de linguagem acessÃvel e desprovida de gÃrias exclusivas (no sentido de exclusão mesmo) do “mundo das artes”. Uma mostra de que, diferentemente da possibilidade apontada no jornal do FIT, o grupo não tem como objetivo único o entretenimento.
Se Papo de Anjo delicia olhos e ouvidos, Auditour Ficcional – O Caminho X vai além e provoca todos os sentidos. O espetáculo é concebido pelo grupo BiNeural-Monokultur, que, embora seja da Argentina, é formado por um só argentino, juntamente a uma alemã e um brasileiro. É difÃcil dizer que a obra é participativa. Na verdade, ela é do tipo “pronta pra você construir”. O deleite é individual e dura cerca de uma hora e meia. De dez em dez minutos uma pessoa, munida de uma pochete azul, um fone de ouvido e um aparelho de MP3, inicia o trajeto. A gravação ensina minuciosamente o caminho a fazer, ao mesmo tempo em que conta uma história de suspense meio babaca, mas muito bem adaptada à cidade, abordando o caso grave de um historiador que suspeita que a memória da cidade está sendo apagada e todos estejam se esquecendo de suas origens.
Não se pode dizer que a gravação conte com ótimas atuações. Na verdade, as falas são bem pouco convincentes, mas este, certamente, está longe de ser o foco. O brilho nos olhos da autora, roteirista e diretora Christina Ruf, quando diz que “a fase de pesquisa é uma delÃcia” não deixa dúvidas de que o diferencial da obra é a profunda investigação sobre a história local, que trouxe o grupo ao Brasil um mês antes, permitindo que a peça concebida em Córdoba fosse recriada especialmente para São José do Rio Preto. Se a minha experiência foi muito intensa, que dirá a dos habitantes de Rio Preto, conhecedores da história real da cidade. Ou, talvez, como propõe o tal historiador cuja voz fica ecoando na minha cabeça, eles já tenham se esquecido tal história.
1 água de coco na praça + 3 minutos perdida durante o tour
Assisti o Papo de Anjo um dia depois do fim do FIT, em Catanduva, no SESC (sempre ele). Espetáculo lindo, bacana demais. A pesquisa da galera, a galera em si. Há! Salvou aquela minha manhã de domingo.
To querendo ir assistir de novo lá no Festival de Prudente. Gostei demais!
odieeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeei essa coisa blé!
bom eu acho q e bem legaaaaal