Parece ser que me fue

Críticas   |       |    6 de outubro de 2009    |    4 comentários

As surpresas do encontro

Foto: Jorge Crowe

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Imagina um espetáculo de clown começando. De repente, tcharam!, toca um celular e o toque é o funk mais estranho do mundo. Alguns diriam que passou um anjo. Outros que o espetáculo estava ganho. Mas todos concordariam: é uma grande oportunidade para qualquer palhaço. Em Parece ser que me fue, Marina e Marta (a atriz e a palhaça, respectivamente), no entanto, parecem ignorar o acontecido, deixam passar, fingem que não é com elas e continuam fechadas à sua técnica corporal e ao seu quadrado de fita crepe e luz. Conquistam meu preconceito. Fecho a cara e começo a pensar: ” puxa! E o palhaço aberto ao mundo? E o encontro? E o improviso?”

Admito, no entanto, que a técnica é muito boa e até consegue me provocar alguns sorrisos, sobretudo quando a atriz, argentina, se esforça para dizer algumas palavras em português… “adonde… aoondii…”, já começando a estabelecer uma comunicação especial com um público, uma presença que, no entanto, ainda está sufocada pelo estranho quadrado.

Então, aos poucos, Marta vai estapeando meu preconceito inicial. Primeiro tapa: em meio a um discurso de desejos individuais para o amanhã – algo como “amanhã não vou acordar cedo”, eis que surge, sufocada, a expressão do coletivo: “E eu quero que cada pessoa tenha seu pedaço de terra pra plantar seu tomate, sua alface, seu… filé mignon!”.

A partir daí, chovem tapas. Com o corpo todo, a atriz vai nos inspirando a sensação de sufocamento e nó na garganta, e algumas vezes repete: “deve existir algo mais” e se pergunta como será quando se encontrar com “os demais”. Então, a palhaça, vítima do autoritarismo da atriz, é mandada ao quarto “para estudar” e se fecha completamente em si mesma, entrando em sua própria (e pequena) mala. No mergulho para dentro, Marta enfim se liberta para o mundo, para o desconhecido, para a emoção do contato e do encontro.

Ahhhhh. Era tudo de propósito! Ela tava dizendo: “olha como esse quadrado de luz sufoca e distancia! Olha como essa escolha é limitadora! Olha como ser somente um indivíduo com suas coisinhas é sufocante e entediante!”. Só que não precisou dizer. Lembrei então que meu namorado sempre me disse que eu precisava ser mais aberta ao novo. E que a Iná falou muitas vezes algo sobre romper barreiras entre palco e platéia. Sim, há algo (s) a mais para se descobrir no mundo e no próprio teatro – há o encontro, a abertura para o inesperado. E quando se encontra os demais, encontram-se novamente valores coletivos e encontra-se uma justificativa para que haja um Festival Internacional de Comicidade Feminina e outras muitas possibilidades de sair do quadrado que sufoca e limita.

Saio do teatro e escolho um caminho que passe por ruas diferentes das que tinha passado na ida. Me abro ao diverso ao experimentar a batata frita do Bobs, que não é Mac Donalds. Assim, atravesso sem medo Copacabana para chegar até a casa do meu ” host”  do Couch Surfing – outro dos muitos jeitinhos na Internet de incentivar e facilitar o tal encontro com “os demais” e a descoberta de alguns dos ” algo-a-mais” do mundo.

01 única apresentação no Festival, única no Rio, única no Brasil. E eu queria indicar pra tanta gente…

Também foi publicado na Bacante um especial sobre o Festival. Para ler, clique aqui.

'4 comentários para “Parece ser que me fue”'
  1. Raquel Franco disse:

    Olá
    gostei dos textos seu olhar sua visão poetica e principalmente da simples e válida atitude de ter se disposto a escrever sobre o festival
    parabens!
    será que voçe foi no aterro e assistiu keke foi minha primeira aparição no Rio
    Abraços!!!!!!!!!!!!!!!
    Raquel Franco
    palhaça keke kerubina

  2. Juli =) disse:

    Olá, Raquel!!! Que bom vc ter aparecido por aqui. Tentei ir ao aterro, sim, mas fui caminhando e achei que era mais perto do que era realmente… assim, quando cheguei, a ´brincadeira´ já estava terminando e só pude ver que sua estréia no Rio aconteceu em um lugar lindo e cheio de gente e, para melhorar, em um domingo ensolarado. Que pena que nao pude ver! Por favor, avise caso venha a Sao Paulo!

    Um abraço e até logo!
    Juli =)

  3. Michelle Silveira disse:

    Olá Juli,
    sabe que tive uma sensação parecida com a sua quando eu assisti Marina. Algo que distanciava no início e parecia que eu não ia conseguir entrar no jogo dela, mas a palhaça tão docemente foi conquistando, foi carregando e de repente me vejo envolvida naquele mundo fantasioso que ela cria com tanta sutileza.
    veja como é rica esta nossa arte teatral e como são ricas e variadas as linguagens, se formos observar acho que todas as palhaças trazem consigo uma abordagem diferente da cena e um entendimento diferente do clown, do palhaço, da palhaça.
    E penso que tenha sido isso, e que seja sempre esta diversidade que dá o colorido e o diferencial num evento.
    Marina com sua palhaça tão sincera no olhar, quem pode jogar com Marina e olhar nos olhos e ver a pureza que ela empresta para sua palhaça e a forma doce com que vê o outro, se encanta….
    só podia, pra estrapolar os limites da cena e sair beijando o público na boa e dizendo “Que estás loca, me besa a boca? tá loca”…ato pra mim anarquista, que rompe com os limites estabelecidos pela cena, e de repente creio que muita gente gostaria que ela viesse lhe beijar a boca. Porque isso era lindo! simplesmente…sem maldade, sem malícia, natural com arrumar a saia, como limpar o sapato.
    E saí com a frase “Porque no? quien te dijo que no?”
    Existencialista, anarquista,profundamente humano e poético.
    Gostaria de destacar a direção de Raquel, muito boa e inteligente.
    Assim como keke queria que você tivesse visto Barrica no primeiro cabaré.
    Abraço!

  4. Juli =) disse:

    Ei, Michelle! Muito, muito obrigada por lembrar esta frase: “Por que no? Quien te dijo que no?”, porque é essencial pra esse momentos de rompimento que é o que fez a apresentação tão marcante pra mim.

    Que pena que não pude estar neste primeiro cabaré… cheguei ao Rio no dia seguinte. Mas, por favor, não deixe de avisar de suas próximas apresentações.

    Beijos,
    Juli =)

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