Stabat Mater

Críticas   |       |    8 de outubro de 2007    |    4 comentários

Numa igreja, num teatro ou num ponto de ônibus qualquer

Foto: AC Junior

UM CARIOCA QUALQUER
Bom dia, você sabe se aqui passa ônibus pra Barão de Tefé?

UM BACANTE QUALQUER
Você tá indo naquele galpão onde tá rolando Os Sertões e o Palco Petrobras?

CARIOCA
Sim, você sabe onde é?

BACANTE
Sim, eu sei, fui lá ontem e assisti uma peça ali perto, no Centro Cultural Banco do Brasil. Aliás essa peça era um absurdo. Um grupo português, chama Artistas Unidos – mas olha só, unidos mas ausentes, que nessa peça que vi era um monólogo, quer dizer, isso se a gente pensar que artista é só quem tá no palco, esquecendo do cenógrafo, do diretor, do figurinista, enfim, você entendeu – estão aqui com um monte de trabalhos e tinha essa mulher no palco. Bem antes dela entrar, já tinha uma igreja montada ali . Só depois fui entender esse negócio da igreja : quando o grupo montou pela primeira vez, foi na capela de uma cadeia de mulheres. Eu, não sei se você sabe, sou meio chato com essas coisas de espaços teatrais. Ali do lado do CCBB estava a igreja da Candelária que encontrei logo na saída, cheia das suas histórias. Pensei que talvez a peça pudesse ser feita ali mesmo. Você não deve estar entendendo nada. O caso é que essa tal mulher aparece lá no palco/igreja improvisado e começa a falar como qualquer pessoa aí da rua, dessas que você pergunta as horas e ela começa a falar de tanta coisa que acaba questionando a lógica aristotélica. E o estranho mesmo seria ouvir essa mulher falando todo aquele descalabro, uma quantidade sem tamanho de heresias, um mar de moralismos exacerbados, xingamentos, palavrões, maldizendo a igreja e os seus freqüentadores como quem fala mal dos vizinhos, tudo isso dentro da igreja. Você entende, né? Não tem comparação fazer uma peça na igreja e uma peça num teatro que imita uma igreja. Até o autor mesmo, o tal do Antonio Tarantino – italiano marginal que não tem nada a ver com o queixudo americano – não curte que façam suas peças em teatros e mesmo assim ela foi parar ali no CCBB, do lado daquele café estranho, com cara de provinciano. Aliás , provinciano foi como o Haroldo Rêgo definiu o Rio de Janeiro lá no Palco Petrobras, num sentido que não era legal.

CARIOCA
Sim, mas onde é que eu tomo o ônibus pra Barão de Tefé?

BACANTE
Ih, meu filho. Até esqueci que você tinha perguntado isso. Mas também lembrando dessa mulher no palco fica até difícil. Você entende, né? Monólogo não é só sair falando ao vento como se todo mundo estivesse dialogando com você. E essa mulher louca falava com o padre, com suas amigas, consigo mesma, com o João que a abandonara, com os marroquinos da imaginação dela. Falava sem freios. Quer dizer, na verdade a coisa toda era dividida em atos, mas entre eles sem freios. E por freios entenda toda a questão moral de se fazer uma obra em que se interpreta alguém radicalmente impossível de existir, pela quantidade de preconceitos que carrega. Se bem que, agora que estou falando com você, me pergunto novamente se essa mulher é uma utopia. É bem verdade que o autor projetou nela todas as críticas que queria fazer, mas acho que a atriz que interpreta o fez com tanto carinho e sem medo de ser fascista por interpretar um personagem fascista, que ficou pra lá de crível. O novo teatro velho, ou o velho teatro novo. Aquela coisa de sempre, só um ator e um bom texto. Talvez tenha faltado um pouco acreditar que, já que não estavam numa igreja, não precisavam simular igreja. O faz-de-conta da protagonista já bastava.

CARIOCA
(Faz cara de quem quer concordar pra que a conversa termine logo)
Sim, sim. Olha! Um ônibus que vai pra Central. Deve servir.

BACANTE
Serve não, meu filho. Ontem mesmo peguei um desses pra ir pra Barão de Tefé e fui conversando com o cobrador no caminho. Eu tinha acabado de sair dessa peça, que aliás eu nem disse o nome. Chama Stabat Mater. E fui contando pra ele, mas acho que ele não gostou muito, porque é católico e achou um absurdo a idéia de encenar na igreja da Candelária. Não insisti muito não. Falei mais do figurino e da cenografia – ele no caso me perguntou o que era exatamente figurino e cenografia – o que eu não soube responder, mas dei a desculpa de que é tudo muito contemporâneo, complicado, que não há limites entre uma coisa e outra. Sabe como é? Ele complicou minha vida. Mas cobradores são pra isso mesmo, né? São complicadores necessários pra ordem dos transportes públicos.

CARIOCA (com cara “o quê?”)
Mas que ônibus foi esse que você pegou?

BACANTE
Sabe que eu não lembro. Eu inclusive tava tentando lembrar agora, porque preciso ir pra lá. Mas – não se preocupa que não foi incômodo algum – você me pediu informação e acabei esquecendo do compromisso. Pra onde você ia mesmo?

4 professores de português de Portugal oferecendo os préstimos na porta do CCBB

'4 comentários para “Stabat Mater”'
  1. Ronaldo Ventura disse:

    Com todo o respeito.
    Essa foi a melhor resenha sobre um espetáculo que já li na vida!

  2. Fabrício Muriana disse:

    Porra, Ronaldo.
    Como diz a Fernanda D’Umbra, fiquei todo prosa. Vindo de você, sei que o elogio é grande.
    Essa crítica tb estará no cenacriticacontemporanea, dentro do site do riocena. Deve entrar entre hj e amanhã.
    Valeu e apareça.

  3. elder disse:

    juro que comprei o ingresso pra ver essa peça quando ela foi encenada no fitei, no porto, mas fiquei com uma preguiça imensa ao ver a foto da atriz no programa. acabei indo numa festa de são joão fraquinha, fraquinha.

  4. Fabrício Muriana disse:

    O teatro é muito mais cruel do que as outras artes. Perdeu – na maior partes das vezes – se fudeu.

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