VemVai – O Caminho dos Mortos
A morte e a morte numa Paulista qualquer
Foto: Nelson Kao
Algumas vezes já me perguntei o que passa pela cabeça de uma pessoa que trabalha fazendo sinopses de filmes, quando se deparam com obras do David Lynch, do Vincent Gallo ou da Lucrécia Martel. Depois de assistir VemVai – O Caminho dos Mortos, em cartaz num andar inteiro do Sesc da Avenida Paulista, passei a querer me corresponder com esses redatores de sinopses, pra, talvez, aliviar a angústia do meu resenhar.
Não que eu escreva sinopses, mas o problema está nas palavras. Não há palavras para definir algumas imagens, sons e sensações que a Cia. Livre propõe nesse espetáculo. Seja porque não fazem parte da nossa tradição narrativa ocidental, seja porque são diferentes de praticamente tudo que eu já havia visto sobre o tema.
Há duas semanas, estava em cartaz no CCSP a peça Adubo ou a sutil arte de escoar pelo ralo. Os paralelos com a montagem de VemVai são tantos que me arrisco a dizer (ou suplicar) a quem viu aquela, que veja também essa do Sesc Paulista. Processo coletivo de criação, construção de imagens, poucos elementos cênicos muito bem explorados, entrega total dos atores, extensa pesquisa de textos não necessariamente teatrais são só os aspectos mais vÃsiveis do diálogo. A morte é o tema central de ambas as peças, mas como ficaram diversas as montagens!
VemVai propõe um diálogo-refeição. Em todos os momentos do espetáculo os barulhos da Avenida Paulista não nos deixam esquecer onde estamos presenciando aquele ritual proposto pela Cia Livre. Esse ritual apresenta a cultura dos povos amerÃndios como o prato principal e nós, como convidados do banquete. Sem exageros, até salsicha é servida no espetáculo como forma sublime de representação. E eu comi.
Estruturalmente, o único elemento narrativo material que vai do começo ao fim de VemVai é o vaká, que depois aprendemos que é o duplo (ou alma) para a etnia dos Marubo (viu como nós lemos o programa da peça?). Rasgando a montagem em diversos pedaços, temos cenas que vão desde rituais de canibalismo funerário até vendedores de tapioca apressados.
Música, vÃdeo, dança, conversas, interação fÃsica com o público e até teatro (vejam só) são os elementos para transportar o público para o diverso. Diferente de Adubo, que escracha a morte para celebrar a vida, VemVai coloca a morte como passagem e por isso os seus rituais. Não nega a dor da passagem, mas demonstra que é possÃvel encará-la de forma menos espetacular que as atuais coberturas da mÃdia, menos aterrorizante que os mitos das religiões ocidentais, menos “fim-de-tudo” e “despedida” como são concebidos os velórios e enterros dos nossos dias. VemVai demonstra que nossa sociedade precisa reaprender a morrer, para aproveitar com mais intensidade a vida.
5 pedaços de salsicha em conserva
5 pedaços??? Ah, vá! Vc comeu no mÃnimo 15, primo! rssss
Eu, hein! Quase vomitei! Peça foooooda!!!
Beijo.
Reaprender a morrer…
Pódicrê.
gostei de sua resenha. Tb adorei o espetáculo. Escrevi sobre ele, num Portal de Teatro daqui do Recife. Passa lá e lê o artigo. Está na seção X Festival Recife do Teatro Nacional. Se quiser responder, tem meu email lá, na seção ‘quem somos’.
http://www.teatrope.com
sucesso!
[…] de Nelson Kao feitas nas apresentações de VemVai – O caminho dos mortos, na Caixa Cultural da Praça da Sé, 07 de novembro de […]
“Processo coletivo de criação, construção de imagens, poucos elementos cênicos muito bem explorados, entrega total dos atores, extensa pesquisa de textos não necessariamente teatrais são só os aspectos mais visÃveis do diálogo.â€. nossa, incrÃvel isso. deu vontade de aplaudir mesmo sem ver. e crÃtica objetiva, mas sensÃvel também… 🙂 I like. kiss and rose.
mas é de aplaudir sem ver mesmo. Eu vi em recife, metade da peça, entrei clandestina por vontade de ver esse esplêndido espetáculo de Cibele. Fiquei maravilhada