Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga 2009 – Fabricio
4 dias em Guaramiranga (o retorno)
Fotos de Alex Hermes e Sol Coelho
Leia de baixo pra cima (e de cima pra baixo)
3º , 4º dias e reverberações
Todos os festivais, sem exceção, dão uma certa sensação de depressão pós-coito quando terminam. É como se quiséssemos viver aquela utopia de só ver e falar de teatro por um longo perÃodo e vemos que “todo carnaval tem seu fim”. Mesmo com todas as crÃticas que fazemos aos festivais. Guaramiranga é um dos festivais em que essa deprê bate mais forte, por razões óbvias já apresentadas nos dois primeiros dias. Mas também é o festival que, pra mim, mais reverbera.
De lá pra cá, assumo como dÃvida que devia ter publicado muito antes o Manifesto da Cia Pã de Teatro. Não porque concorde com eles ou deixe de concordar. Nem porque seja a favor da curadoria ou não, mas para explicitar que Guaramiranga não dá conta de todas as vozes que querem habitar o festival. Demanda latente que tem que encontrar formas de existir sem ser vitrine, sem ser mais produto do que já é. E não é um problema da cidade, é um problema de festivais em geral. (só para assinantes do jornal da ditabranda)
Esse é um trecho diretamente endereçado a Magela Lima, cuja curadoria pude identificar, ainda que com o tema amplo da dramaturgia, mas cujos critérios serão obrigados a se renovar (mesmo tendo sido criados há tão pouco tempo). Isso porque a internet (sempre ela) nos mostra que está todo mundo querendo participar das escolhas. A vontade democrática volta a tomar conta dos grupos de teatro. Os critérios curatoriais têm que dar conta dessa questão dialética: atender ao que os artistas querem como um festival que os represente, definir escolhas que dialoguem com o público mais amplo possÃvel (e assim caminhar para tornar-se público efetivamente), mas ao mesmo tempo propor algo que não esteja contemplado por esses dois grupos. Algo mais, pra não deixar a categoria se ensimesmar nem o público só com o que já conhece.
A rua, pra mim, é o lugar de Guaramiranga a ser ocupado. Isso já foi dito nas postagens anteriores. Mas não só a rua. A cidade tem que se recriar a cada festival e propor diálogos com o fora (são só um pouco mais de 4 mil habitantes, mas é com eles que vejo pouco diálogo).
Voltando à s reverberações. Gyl foi um dos leitores dessas páginas e um texto bombástico sobre a pesquisa dele está programado pras primeiras semanas de outubro (ok, Gyl, eu dei uma exagerada, mas gostei mesmo do tema de tua pesquisa). De quebra, Gyl me apresentou de maneira mais contextualizada o movimento Todo Teatro é PolÃtico e como as lutas daqui reverberam lá e vice-versa. O link fala por si.
Eu e Astier perdemos a discussão sobre a peça de João Dênys que, segundo consta, foi reveladora. Tudo bem. Pudemos conferir no terceiro dia uma conversa muito legal com Coletivo Alfenim e ficou muito clara a relação de liderança exercida por Márcio Marciano no grupo. Arrisco dizer que é uma relação de tutoria, mais do que de parceria. Nesse sentido, o grupo afirma ter feito Quebra-Quilos primeiro para se afirmar como grupo. Espero, pois, ansiosamente pelo próximo trabalho. Ah, e as coisas vêm e vão. Esse terceiro dia é o primeiro dos debates sobre as peças da Mostra Nordeste. E não é que a Rosyane Trotta ficou caladinha? Disse Astier que ela comentou bastante coisa no boteco depois. Ela deve ser das nossas.
Kil apontou muito bem a necessidade de uma certa renovação da forma, categorizando o teatro do Alfenim como “dialético clássico”. Descordo um tanto. Acho que, por mais que muito do teatro dialético tenha sido incorporado e hoje faça parte da indústria cultural, muito dele ainda nem foi radicalizado. Ou seja, não vejo ainda um teatro “dialético clássico”. Mas entendo o que Kil sugere por ver em Quebra-Quilos boa parte dos dispositivos criados e sistematizados por Brecht.
Nina Caetano tentou colocar em questão as vozes que partem daqueles atores. Não só as vozes dos atores ali, à nossa frente, mas também aquelas que se apresentavam no espetáculo. Quanto daquilo fora realmente algo que partiu deles. Pena que tantas perguntas se somaram, a ponto da coisa virar suco. Mas que o questionamento foi direto, isso foi.
E quando se cansa da forma e apela-se pro fluxo de pensamentos:
Daqui pra frente, segue um fluxo de pensamentos iniciado pelo Astier, alterado e finalizado por mim:
3º dia…
Deixa eu ver se me lembro, você viu
a peça de rua, à tardinha,
eu fui ver a Yemanjá (eu também vi a Yemanjá e o parceiro, mas no dia seguinte, nesse trabalho off bagaceira mega legal, de nome A Menina dos Brincos de Ouro. Revelador da exploração infantil numa linguagem que cativa as crianças e faz também o papel pedagógico do teatro. Com muito, muito pouco).
Cogitamos uma ação terrorista mediada pelo Jornal O Povo e a Revista Bacante com um post meu sobre o caso Roseane Trotta. Abandonamos a ideia.
Você chegou lá no circo, viu o final da peça comigo. (Eu tinha ido ver o intercâmbio Inhamuns, a Odisséia do Guerreiro Brincante, novamente aquela forma tradicional apontada nos outros dias)
falou que tinha achado meio folclorizado,
acho que você lembrou de um outro espetáculo que viu em São Paulo,
acho que o que tinha alguma coisa a ver com São Jorge ou Dom Quixote.
Vimos Mar Aberto do Rio Grande do Norte.
(aqui entraria uma foto de Nam June Paik dormindo num show de Charlotte Moorman)
em seguida, a gente viu Ãrvores Abatidas ou Para Luiz Melo,
e você curtiu pra caralho e lembrou de uma outra peça,
essa, se não me engano, contextualizada na segunda guerra (não, a outra peça era Neva, e era ambientada na Rússia pré revolução).
dois personagens mais velhos, uma mais jovem, algo a ver com Tchekov.
Encontramos com a atriz
bêbada feito uma truaca (ahahahaha adoro esse termo.)
Você fuma e celebramos a desobediência civil do ato.
Na subida da ladeirinha Magela
fala sobre sexualidade.
Dia seguinte encontraremos com Silvério do Máquina, ouvimos ele
falar sobre travestis. Você dirá que aqueles papos foram mais
reveladores do que muita coisa que você viu em cena, em peças
homoeróticas.
Dia seguinte, debate. 4º Dia.
Eu faço um atentado terrorista durante o debate.
Você elogia a postura quixotesca minha e diz que se estivesse eu teria usado mais ironia, que eu fui “jornalista”.
Magela faz uma intervenção sobre qual dramaturgia é acolhida no eixo Rio- Sampaulo,
cita o caso de uma peça de Newton Moreno que bombou em Recife, Ópera, e por não trazer o nordeste folclorizado, não chega em Sampa.
Hora do almoço, Roseane Trotta do nosso lado.
Ela vem perguntar sobre a minha tréplica, eu não tenho muita paciência
pra conversar, você conversa com ela sobre o lance do espaço
para o debate – lembra que no ano anterior foi bem pior.
Acho que você vai tomar uma cerveja
com a Nina – Cerveja ou café. (chocolate e conhaque. mudança de planos.)
Eu vou ver as leituras dramáticas com o João Silvério Trevisan.
Tenho que sair no meio. Vou ver a Yemanjá.
Vemos Encruzilhada Hamlet, (saio morrendo de vontade de escrever, mas com a sÃndrome da segunda mirada. Preciso rever!) você gosta, eu não. Você quer conversar, eu não.
Ficamos em dúvida em assistir Abajur Lilás – todo mundo falava que tinha gente nu – ou a Circular, aquela peça sobre o circo, feita pelos estudantes. O horário não dava pra ver as duas.
Lembramos da situação do ano anterior em que ficamos entre ver a peça do Marcos Barbosa toda ou ver a da Drica Morais.
Lembro que boa parte do teatro se levantou qdo deu a hora.
Lembro que chegamos atrasados. Lembro que apostamos uma cerveja pra ver quem iria ficar até o final.
Lembro que resistimos.
Você faz uma proposta “mefistotélica” – tomar a última cerveja e ver a sessão extra de Avental todo sujo de ovo, sessão extra pedida por João Silvério Trevisan.
Em pouco tempo, só com o boca a boca, mobiliza-se público para que a sessão seja realizada. O teatro fica cheio.
Detalhe. Estamos numa segunda, o público basicamente é composto de gente de Guaramiranga (e quem sobreviveu até os meus últimos minutos na Passárgada do Ceará.
Fim do Festival pra mim.
2º Dia
Quando escrevo sobre esse segundo dia, já recebi um retorno do diretor da Farsa do Panelada, um comentário de Magela, que foi citado no primeiro relato, uma sugestão e uma correção da Angélica, também citada. Aliás, Angélica, que peixe grande deixei de fora? Seria um baiacu? A velocidade da internet e a possibilidade do diálogo continua sendo o que mais me empolga.
Sábado, o segundo dia de Guaramiranga, começou cedo. O café da manhã é uma desculpa para os papos da noite anterior. Tem sempre alguém que não aguentou e foi dormir. AÃ, óbvio, vai perguntar tudo que rolou. Penso na disposição e forma das mesas do mosteiro: redondas e aproximadas. Pra que falar disso? Porque tento desvendar o que faz com que o festival seja uma grande proposição de diálogo (sem entrar no mérito de quem dialoga com quem, ainda) ao invés de uma vitrine de peças. Para saber até como é o café do Mosteiro (!) acompanhe as fotos do Alex Hermes.
Não repara nas olheiras, eram 08h40 da madrugada
Do café, seguimos para a sala 1, que fica atrás da igreja e que vocês já conhecem do ano passado. É lá que rola um bate-papo sobre a peça Os Leões, da Cia Armadilha. Entendeu a lógica? Vemos a peça e no dia seguinte tem conversa. Pra quem gosta de teatro não tem nada mais legal. Um espaço de diálogo a ser preservado.
Pois bem, a conversa trata de amenidades de produção. Não era esperado um diálogo crÃtico e não há surpresas. Acho que o que tangenciou uma conversa mais polÃtica foi o relato sobre os editais públicos e a influência sobre a cena de Curitiba. Lá eles também não sabem definir o que é “contrapartida social”. Penso que só a existência e cobrança dessa contrapartida demonstra que nossos tempos estão muito tortos. Que arte é essa que não consegue se conectar de maneira efetiva com seu público, a ponto de se tornar uma demanda pública? Dá pra desenvolver muito mais isso, mas levanto somente o relato das apresentações que a própria Armadilha fez em escolas públicas de Curitiba. Eles identificaram que ali tem uma relação diferente, mas não alteraram suas formas de produzir a partir desse encontro (ou ao menos não relataram isso).
Das 09h às 11h, houve recreação infantil. Como já havia passado da altura máxima para participar, não fui.
Das 10h30 à s 17h (com intervalo para o almoço), na mesma sala um, vi apresentações de 20 minutos de uma série de pesquisas acadêmicas. É papel da mÃdia tradicional escolher o que acha mais relevante e pinçar isso do seu contexto. Terei de errar igual. A real é que ali se apresentaram principalmente pesquisas relacionadas com o Nordeste, mas nem tudo seguiu essa regra. Havia relatos de montagem, investigações sobre as peças curtas de Brecht, uma pesquisa muito legal sobre o papel que o Theatro (valeu a dica, Angélica) José de Alencar ocupou em Fortaleza (daà saiu a relação que estabeleci no relato sobre o Teatro Rachel de Queiroz), além de uma pesquisa que aconteceu aqui em São Paulo, mas que eu nem chegaria próximo de conhecer, sobre a última fase do teatro de Grotowski. Também guardei muito na cabeça a pesquisa do ator/advogado que está investigando como são utilizadas as leis de profissionalização do teatro (âmbito dos SATEDs da vida) e como elas são inconstitucionais desde 1988. Aliás, Gyl (o autor da pesquisa) não fiz o convite lá, mas faço aqui: gostarÃamos de publicar sua pesquisa ou um texto sobre ela aqui na Bacante. O SATED de São Paulo também não é um órgão de representatividade, como não é em muitos outros estados. Tua pesquisa é necessária.
Comentário rápido: quando uma pesquisa parte de uma inquietação prática ou da vida do pesquisador, ela tende a ser exponencialmente mais potente. Mas o mÃnimo de isenção sempre tem que ser guardado. Essa é uma contradição da pesquisa acadêmica.
Beleiei o cortejo de abertura. Conversando com Astier BasÃlio, que chegou naquele dia, e Magela Lima.
Olha só onde não fui
Num raro momento em que a programação colocou duas peças no mesmo horário, optei pela montagem de Imaginário: A Odisséia de um Guerreiro Brincante, deixando de lado o infantil As Fadas, com Paula Yemanjá e Edvaldo Batista (ambos do Bagaceira). A Odisséia apresentada me remete ao trabalho da Farsa do Panelada. Novamente a rua, novamente uma forma tradicional e no caso desta arrisco dizer que não há qualquer rompimento formal. Sempre que escrevo sobre esse teatro, acho minhas leituras rasas e caracterÃsticas de um estrangeiro. Talvez fosse importante discutir esses espetáculos nos debates do dia seguinte. Da montagem, guardo imagens do mito de São Jorge, aliado ao personagem de Dom Quixote. Qualquer semelhança com a peça da Cia São Jorge deve ser mera coincidência, até porque as formas e motrizes dos trabalhos são absolutamente distintas. Uma peça, a de Inhamuns, que trabalha pela simbologia desses mitos e que apresenta uma fábula cujo final antevemos nos primeiros cinco minutos. E não, isso não é um elemento épico neste caso.
Registro da Odisséia
A Mostra Nordeste trouxe para este sábado frio a peça Quebra-Quilos, do Coletivo Paraibano/Paulista de Teatro Alfenim. Foi ótimo rever a peça que tinha assistido no Teatro Fábrica aqui em São Paulo. Fazer uma crÃtica dela seria chover no molhado para quem participou do debate no dia seguinte. E como escolhi essa forma cronológica de contar as hitórias de Guaramiranga, esse relato só farei no dia 03.
Ao sair do teatro, a praça estava lotadÃssima. Muitas mesas com fondues, queijos e chocolates. A burguesia de Fortaleza revela mais um sentido da existência de Guaramiranga (será o mais importante deles?). Música, cervejas e boa conversa me levam a baleiar a peça Levada Vida, que tinha apresentação marcada para o Teatrinho. Não foi atraso, foi lotação mesmo. Aqui vale mais uma reflexão: mais uma vez o teatro lotou. Ou seja, o que disse sobre o Rachel de Queiroz não é válido? Bem, entre teatrinho e teatrão, prefiro o risco de perder peças que o teatrinho tem.
Eita que a noite foi boa demais. E o debate do dia seguinte começou a acontecer naquela madrugada. Aguardem cenas do dia 03.
Fim do dia 2.
1º Dia
São 15h15 de sexta-feira, dia 04 de setembro, quando pousa o atrasado avião que me levou de São Paulo a Fortaleza. No mesmo voo, vem Kil Abreu, um dos três convidados para o Ciclo de Debates da Mostra Nordeste do FNT 2009. Ainda no aeroporto, encontramos com Nina Caetano, mais uma convidada do mesmo ciclo, vinda de Belo Horizonte com seu filho. Depois de um cafezinho, subimos na van, onde estão também o ator Ricardo Guilherme (que fez parte do mesmo ciclo de debates em 2008), uma pesquisadora da cidade de Barbados, cujo nome arrisco dizer que é CecÃlia, e o jornalista Fábio Freire, do Diário do Nordeste. Começa a segunda viagem, de duas horas e meia, que vai subir a Serra do Baturité e terminar naquela cidade que vocês já conhecem.
O Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga completa sua 16ª edição, cumprindo não só o papel de reunir algumas das principais montagens da região na Mostra Nordeste, mas também convidando grupos de fora para a mostra Ceará Convida (que, vamos combinar, é um nome um tanto pretensioso já que o Ceará é constituÃdo por 8,5 milhões de pessoas, que, por mais legais que possam ser, não convidaram ninguém não). Ainda na programação, estão as Mostras Guaramiranga em Cena, Palco Ceará, Mostra de Cultura Tradicional Popular e Mostra SESC Menino Cariri (programação infantil), espetáculos do Palco Giratório e o Intercâmbio Inhamuns. Ufa! Além das apresentações, o Festival promove um ciclo de debates diários sobre as peças da Mostra Nordeste, o VIII Encontro de Artistas Pesquisadores e o Primeiro Fórum de Dramaturgia do FNT.
A primeira surpresa é descobrir que neste ano haviam programado minha hospedagem na pousada do logradouro. O Mosteiro (ou Pousada dos Capuchinhos), onde me hospedei no ano anterior e onde rolam os encontros mais potentes, estava lotado e escolheram colocar parte da imprensa na tal pousada que é longe, longe, longe. Minha teimosia somada a um pouco de sorte fez com que a situação fosse revertida, contando com a ajuda de Magela Lima, a quem conheci ainda em 2008, quando este ainda era repórter do Diário do Nordeste. Em 2009, Magela é editor adjunto do caderno Vida & Arte do Jornal O Povo (onde também escreve a amiga e repórter Angélica Feitosa) e um dos curadores do Festival de Guaramiranga. Ele faz o convite para dividir o quarto dele, que dispõe de uma cama livre. Obviamente aceito. Um marco para essa revista supostamente crÃtica: a primeira vez em que dormimos com a curadoria.
Às 19h, a solenidade de abertura é aquilo mesmo que se espera: bem solene. Secretário de Cultura, patrocinadores e Prefeito revezam no palco da praça principal. Alguns leem seu discurso, mostrando que têm preferência por uma forma textocêntrica, sem improviso.
O animado discurso do prefeito
Minha primeira baleiada (vou chamar assim a programação que perdi) vem na sequência. Entretido com os pomposos discursos institucionais, perdi a fila do Teatrinho e a peça Pió Seria se Pió Fosse. O que me consola é que ao menos consegui acompanhar desde o inÃcio a peça de rua A Farsa do Panelada, do grupo Artes CÃnicas de Teatro. Aqui encontramos uma caracterÃstica do teatro de rua apresentado em Guramiranga tanto em 2008 quanto em 2009: a ideia de um tradicionalismo formal, calcado em tradições como a do brincante, o palhaço e as cantigas. Gostaria de desenvolver mais os detalhes dessa forma, mas não consigo dizer exatamente o que é tradição e o que rompe com ela. No entanto, fica claro que o formato é caro a muitos artistas de rua (também não vou generalizar que são artistas populares). Quero somente colocar em questão a forma do que vem para a rua em Guaramiranga. Sei que o próprio Galpão já levou seu Moliére Imaginário pra lá, mas de 2008 para 2009 não encontrei nenhum trabalho que fugisse dessa forma tradicional. Intervenções e performances então, nem se fala, são temas que, me parece, passaram longe da programação.
A Farsa do Panelada
Tergiverso, como diria o Inagaki. A Farsa do Panelada apresenta com essa forma tradicional uma fábula que envolve santos católicos, (o bem e o mal) e a figura do vendedor de porta em porta. Acho interessante que o conteúdo trate de uma exploração do capitalismo, mas os personagens são pouco contraditórios. Óbvio, torcemos pelos oprimidos, mas o opressor se apresenta como caricatura. Embora eu ache que a rua seja o lugar para tratar questões de ordem pública e só por escolhe-la como espaço o grupo já aponta para uma presença mais polÃtica e democrática do seu teatro, para que esta presença polÃtica fosse efetiva e se radicalizasse, seria necessário que a forma desse conta do conteúdo pretendido, que fosse mais dialética.
De lá, segui para o enorme, colossal, desproporcional Teatro Rachel de Queiroz, para assistir a Mostra Ceará Convida, que este ano levou dois grupos paranaenses, a Cia Armadilha e a Marcos Damasceno Cia de Teatro.
Rachel de Queiróz, intimista como um show da Madonna
A montagem da Cia Armadilha, Os Leões, que deveria estar no Teatrinho, foi parar ali naquele teatrão e me fez refletir sobre escolhas. A primeira: construir um teatro daquele tamanho (e nunca acabar a construção) numa cidade tão pequena (a que vem esse prédio de teatro? Estariam repetindo a lógica que resultou na construção do Theatro [valeu, Angélica] José de Alencar em Fortaleza?). A segunda: construir um teatro (o que da teatralidade contemporânea cabe e o que não cabe entre quatro paredes?). A terceira: escolher uma montagem, cujo texto (aqui vetor inicial de todas as forças) não situa tempo nem espaço, para iniciar a programação. O começo do Festival de Guaramiranga me levou para uma terra de ninguém, onde talvez habite(m) o(s) personagem(s) de Os Leões, além de nós (público) e os moradores daquele ponto do Ceará.
Bebo e converso, que ninguém é de ferro. Sobre a música não vou comentar.
Fim do Dia 01.
Por “dormir com a curadoria”, entenda-se: dormir, apenas. Grande FabrÃcio, muito bom acompanhar suas crÃticas. Fica mais fácil de entender por que olhos você enxerga. Concordo com boa parte delas, descordo de outras e assim caminha a humanidade. Aguardo os próximos capitulos de sua derradeira passagem pelo meu Ceará. Inclusive com os comentários musicais e etÃlicos!!!
FabrÃcio, muito bom ver o bom humor ácido dos seus textos. Mas convenhamos que você deixou de fora um peixe grande, hein?
Só uma correção: é Theatro José de Alencar, com a frescura do “Th”.
Até Guaramiranga 2010
P.S.: Um velho amigo seu acabou de chegar. O restante do festival promete…
Desse segundo dia, você só esqueceu do jogo do Brasil…
Adorei os relatos. Me senti em Guaramiranga! Um abraçaõ e saudades!
[…] Se você leu o inÃcio, dá uma olhada no final. […]
Bacana FabrÃcio. Nos tempos de rede não há como fugir do dialógico. Obrigado por reverberar a nossa fala, concordando ou não com ela…
Oi Karlo
Valeu pelo comentário. Se quiser contextualizar o que foi feito em Guaramiranga, também será bem legal. Abração
Pensei que tivesse esquecido da gente, viu!!! Caro FabrÃcio, o Festival de Guaramiranga é uma obra aberta, como diria Eco. São muitas as fragilidades da programação, da organização, da produção e da curadoria (também). Agora, eu, por mim mesmo, prefiro ser um pouco Poliana. As coisas já foram piores. Você sabia, por exemplo, que esse ano, pela primeira vez, toda a mão de obra da produção foi local? Fiquei entusiasmado de ver que as pessoas de Guaramiranga podem executar aquele evento sozinhas, mesmo acontecendo pequenos deslizes. Quanto aos critérios da curadoria, eles foram todos muito conversados (e, nunca, a portas fechadas). As reuniões da AGUA (entidade promotora da mostra) são abertas, todas as colaborações são muito bem vindas. Como disse, acredito que o formato do festival (pós-era competitiva) está ainda entrando nos eixos. Esse ano, voltei pra casa com um sentimento de grande surpresa. No geral, valeu muito à pena e penso que o festival saiu fortalecido. Que venha 2010!!!
Magela de volta a essas páginas. Bem-vindo.
Obrigado por indicar a gente no twitter.
Realmente é um grande passo que a produção tenha sido executada pelo próprio pessoal da cidade (com ou sem erros). Espero que eles também tenham cada vez mais autonomia sobre os meios de produção, o que, analogamente ao que te sugiro na curadoria, seria uma democratização do festival por outras vias.
Tendo na mesma troca de comentários tu e Karlo, com você dizendo que as portas estão abertas, acho que os caminhos da ampliação de uma participação coletiva e do dialogo estão dados. Espero que os grupos façam também seu papel e ocupem os espaços.
Enfim, como diria o Vanucci “2010 taÃ, e a Ãfrica é logo ali”. Não sei se poderei seguir acompanhando o que acontece em Guaramiranga, mas tendo visto esse ano e o passado, gostaria bastante. E, se não estiver, alguém(s) da Bacante estará.
Abraço